terça-feira, 14 de outubro de 2008

Design e Ergonomia: princípios e permeabilidade

Neste início de século XXI, o desenvolvimento de novos produtos e sistemas informacionais tem buscado atender, com maior intensidade, os aspectos de usabilidade, desempenho e segurança nas interfaces dos produtos, uma vez que os mercados apresentam-se cada vez mais competitivos, as exigências normativas tornam-se cada vez mais rigorosas e as inovações tecnológicas cada vez mais freqüentes e distribuídas na sociedade de consumo. Dentro desta nova condição produtiva, duas áreas do conhecimento se destacam e se apresentam cada vez mais correlatas: o design e a ergonomia. Nossa discussão, neste primeiro artigo para o DesignBrasil, será conduzida pela definição destas áreas e a permeabilidade que há entre elas, o que deve proporcionar uma oportuna reflexão. Iniciemos pela ergonomia, cujo objetivo está relacionado à adequação de processos e produtos tecnológicos aos limites, capacidade e anseios humanos.Sabemos que não há consenso quanto a sua definição, principalmente devido ao seu caráter trans e multidisciplinar. Entretanto, iniciemos por nos basear num dos principais expoentes internacionais da Ergonomia, o professor Hal Hendrick, que durante o VI Congresso Brasileiro de Ergonomia, em 1993, afirmou que “... a única e específica tecnologia da ergonomia é a tecnologia da interface homem – sistema. A ergonomia como ciência trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades, limites e outras características do desempenho humano e que se relacionam com o projeto de interfaces, entre indivíduos e outros componentes do sistema. Como prática, a ergonomia compreende a aplicação da tecnologia na interface homem-sistema, aos projetos ou modificações de sistemas, para aumentar a segurança, conforto e eficiência do sistema e da qualidade de vida”. Passados 14 anos, tal definição parece manter-se bastante atual.A Associação Internacional de Ergonomia, após ampla discussão entre suas associações afiliadas, também adotou uma definição: “Ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica preocupada com a interação entre os seres humanos e outros elementos de um sistema...”, e sua aplicação se dá através de “... teorias, princípios, dados e métodos de projeto com o objetivo de otimizar o desempenho do ser humano e de todo o sistema”. Neste caso, os profissionais que trabalham com a ergonomia devem contribuir “... no projeto e na avaliação das tarefas, profissões, trabalho, produtos, ambientes e sistemas, a fim de torná-los compatíveis com as necessidades, as habilidades e as limitações das pessoas”.Ainda, segundo esta entidade, a ergonomia apresenta algumas especilidades, como por exemplo: a ergonomia física – preocupada com os aspectos físicos da relação homem-sistema; incluindo anatomia, antropometria, fisiologia, biomecânica, posturas funcionais, manipulação de materiais, movimentos repetitivos, doenças profissionais, postos de trabalho, segurança e saúde musculoesquelética; a ergonomia cognitiva, preocupada com os processos mentais, tais como: a percepção, a memória, o raciocínio; e a ergonomia organizacional – preocupada com a otimização dos sistemas sociotecnológicos, incluindo suas estruturas organizacionais, de políticas e de processos.Independente das fontes de informação, e por estar intimamente associada à evolução tecnológica, a ergonomia passa a apresentar diferentes enfoques, o que dificulta uma única e consensual definição. Esta condição também pode ser observada com o design. Entre as proposições de muitos estudiosos, percebe-se que o design é uma área de conhecimento correlato ao desenvolvimento do projeto do produto e sistemas informacionais, cujos princípios apóiam-se no atendimento às exigências e expectativas do homem (produtor, consumidor, usuário e expectador), em sua concepção produtiva.Talvez um dos melhores conceitos para design, ainda é aquele apresentado por Bernd Löbach, em sua obra intitulado Design industrial – bases para a configuração dos produtos industriais, o qual define como “... toda atividade que tende a transformar em produto industrial passível de fabricação, as idéias para a satisfação de determinadas necessidades de um indivíduo ou grupo”, ou seja, é “... um processo de adaptação dos produtos de uso, fabricados industrialmente, às necessidades físicas e psíquicas dos usuários ou grupo de usuários”. Essas necessidades “... têm origem em alguma carência e ditam o comportamento humano visando à eliminação dos estados não desejados. (...). Quando as necessidades são satisfeitas, o homem sente prazer, bem-estar, relaxamento”. Entretanto, o alcance dessa satisfação exige que o homem modifique a natureza, utilizando sua inteligência para idealizar objetos e informações que ampliem suas capacidades e limitações. A produção depende da participação ativa do designer. Ainda segundo Löbach, na “... sociedade industrial altamente desenvolvida, o objetivo de quase toda atividade é a elevação do crescimento econômico e do nível de vida. Aí a satisfação de necessidades e aspirações tem um papel substancial, motivando a criação e o aperfeiçoamento de objetos. O processo se inicia com a pesquisa de necessidades e aspirações, a partir das quais se desenvolverão as idéias para sua satisfação, em forma de produtos industriais (...). É na transformação destas idéias em produtos de uso (...) que o designer industrial participa ativamente”.Alguns leitores desta coluna poderão não gostar muito de tais citações, podendo considerar que o fundamento apresentado é um tanto anacrônico ou ultrapassado (principalmente diante as novas tecnologias), mas não dá para negar que o design tem por objetivo satisfazer as necessidades humanas (materiais, perceptivas ou quaisquer outras), através de produtos e sistemas informacionais, desenvolvidos nos processos produtivos disponíveis (industriais, ou não) na atualidade.Aqui, há sempre uma longa discussão sobre as nuances entre design, engenharia e arte/artesanato, mas ao invés de, mais uma vez analisarmos cada uma dessas áreas, eu prefiro identificar o design como um sistema em si, cuja principal característica (além de seus objetivos, claramente expostos anteriormente) está em apresentar uma metodologia própria.A metodologia do design surgiu num momento em que se procurou sistematizar e tornar científico o desenvolvimento de produtos e sistemas informacionais. A criação da Bauhaus e, posteriormente, a Escola de Ulm, fizeram com que o design fosse observado como processo. Após a segunda metade do século XX, Jones, considerado um dos precursores da metodologia do projeto, apresentou trinta e cinco propostas metodológicas, constituindo até então uma reunião fundamental para a teoria e prática do design. Depois disso, muitos pesquisadores e designers desenvolveram e publicaram trabalhos sobre metodologia do projeto, os quais se destacam (no conhecimento do público especializado) Bruno Munari, Gui Bonsiepe e, no Brasil, o Prof. Gustavo Amarante Bomfim, entre outros.Ao final da década de 1990, a evolução desta área alcançou um elevado nível, surgindo importantes estudos no mundo todo, com destaque para o livro denominado “Creating innovative products using Total Design”, de Stuart Pugh (um pouco mais voltado à engenharia do projeto).Atualmente, os estudos sobre metodologia do design têm se preocupado com os impactos ambientais do sistema produtivo mundial, mas não tem deixado de considerar as necessidade e anseios do ser humano. Assim, ao propormos o design como sendo um processo de desenvolvimento de produtos e sistemas informacionais que objetiva satisfazer as necessidades humanas, não podemos desconsiderar que a evolução tecnológica e os processos de relação entre o homem e a tecnologia foram se alterando ao longo do tempo e, conseqüentemente, novas necessidades metodológicas foram surgindo.De acordo com um artigo escrito por Yap e seus colegas de trabalho, publicado na década de 1980 na Applied Ergonomics, podemos considerar que enquanto produtos e outros dispositivos tecnológicos eram simples, seus desenhos podiam ser desenvolvidos por métodos puramente empíricos ou mais intuitivos. Com a evolução tecnológica e a complexidade dos sistemas e produtos, essa abordagem empírica tornou-se insuficiente, sendo necessária uma abordagem científica, então baseada em considerações ergonômicas das capacidades e limitações do ser humano, aperfeiçoando e maximizando a segurança, funcionalidade e usabilidade dos produtos.Talvez neste sentido é que se estabelece, definitivamente, a relação entre Design e Ergonomia, a qual vem se caracterizando cada vez pela permeabilidade de ações entre ambas as áreas.No próximo texto da coluna, pretendemos dar continuidade à discussão sobre os impactos da ergonomia nas metodologias do design.

Autor: Luis Carlos Paschoarelli


Possui graduação (1994) e mestrado (1997) em Desenho Industrial pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista - UNESP; e doutorado (2003) em Engenharia de Produção pelo Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é Professor Assistente Doutor na graduação em Design e no programa de pós-graduação em Desenho Industrial da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista - UNESP. Tem experiência na área de Design, atuando principalmente nos seguintes temas: Design, Design Ergonômico, Ergonomia. É ergonomista certificado pela Associação Brasileira de Ergonomia. Participou da autoria de 25 artigos completos em revistas científicas indexadas, 120 artigos completos em eventos científicos e três capítulos de livros.


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